domingo, 19 de outubro de 2008

QUINZE PRINCÍPIOS PORTUGUESES - 10

C – FUTUROS

10 – Dos Braços – El-Rei, porém, vem ferido e cansado dos grilhões, dos maus tratos, das saudades, El-Rei quer que dele cuidem, El-Rei quer que o ressuscitem, que vem desfalecido, quase morto, da ausência e da viagem; cumpriu sua palavra de aparecer; lhe apareçamos nós agora. Se fôssemos noutros tempos, seus Três braços aqui estariam para o acolher, mas, depois da batalha, o Povo se lhe transformou e, se ainda acreditas nele é porque, na realidade, nunca desesperou de si próprio, mas mudou de nome, todo se fez no Rei e a si próprio se não pôde tratar; à Nobreza a tomaram maus ventos: uma se dispersou por longes terras, outra se teve de fazer de novo, mas não como depois de Aljubarrota, em que a sagrava a espada, mas edificando seus solares em terras leilão e tão escrava do lucro que um dia passou de rei a presidente, sem se bater, sem reagir, porque o essencial, o que era comércio, continuava; só o Clero permaneceu, porque podem as frondes ser de Tempo, e como ao Tempo ondeiam, mas é a raiz de Eternidade, a Eternidade que se não dobra nem a respeito nem a poder nem a dinheiro.
Pois seja esse um Braço novo, mas não já nos estreitos limites em que o modelara um mundo indescoberto; veja que, por termos sido, houve a Ecúmena e que, se a Pomba de novo desfere o voo, reflectem suas asas os mil cambiantes de um céu outro; Igrejas que desconhecia, por não poder ou não querer, lentamente caminham para que se reúnam num só rebanho e um só Pastor, que é Deus, o tenham; que é Deus, negado ou afirmado ou simplesmente ignorado, para uma Igreja em que todos serão chamados e todos serão eleitos. Essa Igreja de todas as Igrejas receba o Rei e o restaure.
Venham com ela a disciplina, o desprendimento, a vocação de servir que estão na alma do verdadeiro Soldado, à morte oferecido para que outros vivam; saiba aprender a que o não submetam os jogos dos políticos, nem os do lucro e ande sua força ao serviço do Povo, que tantos outros poderes podem tentar, prender, perder; a quietação que ao Rei restaure só ele a pode dar; sejam-lhe docel de outra vez noivado as espadas que até hoje tanta vez lhe impediram regresso.
Finalmente lhe seja o outro Braço de amparo aquele que outrora plantou em Portugal quem o julgou tão importante como os madeiros das naus ou os cantares da língua; desperte finalmente a Universidade de seu sono de séculos, venha ensinar-nos de novo os caminhos do mar, as fraternidades da terra, o valor da fala, as técnicas que salvam, as ciências que sonham, a juventude que se esqueceu; uma Universidade agora total como sempre deveria ter sido, desde as escolas que ensinem o povo a ler até as adivinhações que só os séculos futuros entenderão. Rei, agora para nós já indistinto de Povo, mãos de reza, mãos de espada, mãos de pena se ergam para ti ou para ti se baixem, em tua miséria e desamparo; as mãos dos fortes Braços que te erguerão ao Céu.
Agostinho da Silva – Dispersos
* In Espiral, Ano II - n.ºs 8-9, Inverno de 1965.

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