C – FUTUROS
Das Pontes – Fraguedos se afrontam, rio ruge no fundo, homens desafiadoramente se contemplam de margem para margem, enquanto sobre uma geometria que nunca há, e daí seu poder, não vem moldar-se um arco, estruturar-se um pilar, rasgar-se a avenida por onde são possíveis encontros, diálogos e o projectar de marchas que ao universo cinjam com cintura de amor. Muita ponte levantou Portugal e a grande parte o tempo as destruiu ou por elas passaram cargas de ódio que não poderiam suportar; o que ficou foi apenas, no derruído arcabouço, a lembrança de um voto e, com ela, uma nova chamada. Se a Catedral, a que se quer erguida de três naves, não for o surgidouro de novas pontes, para nada terá valido o esforço de lhe reabrir as perras portas, lhe aprumar os muros, a recobrir de rosas e a clangorar de trombetas.
Primeira ponte a do Brasil, há tanto tempo separado, primeiro por quem o quis não para arar, como o desejou o povo que emigrava fugindo de um País já avassalado pelo estrangeiro, mas para o despojar por suas matas, para o escravizar em sua gente, para o rasgar em suas minas, mas até hoje feridas e cicatrizes de morros; depois por quem o queria aberto só a navios portugueses, de lá tirou o rei que tão bem se lhe casara, lhe legando outro rei que nunca percebeu que em terra de nossa língua só há governo certo quando as Cartas são outorgadas aos reis, não quando as outorgam a eles; finalmente pela retórica, pelo descaso, pelo desprezo.
Depois desta, e num conjunto, todas as que significam a ida a irmãos nossos, mas a nós próprios, como no caso do Brasil. A ida a uma Inglaterra que esteve connosco num megalítico longínquo e nos deu um Rei Artur, aclimatado de resto, e nos ajudou, por nos manter independentes, a construir o Brasil. A ida a uma Galiza, que ainda se lembra da Irmandade da Fala; a uma Catalunha, em que a Península se abranda ao Mar Mediterrâneo; a uma Espanha Central que arranca da aspereza dos Bascos, é, com Castela, puro centro de enlace, e abre a Andaluzia aos mornos ventos de África e às saudades das mouras. A ida àqueles com quem a nossa história se abraçou, desde o México ao Cabo Horn, ou pela costa de África, Costa e contra-Costa, ou pelos lugares de S. Francisco Xavier ou pelas pequenas, solitárias terras que permitem ver a China e Indonésia, ou pelas outras, mais distantes ainda, em que se celebra, como em Honda, a introdução de medicina, ou se fala, como na poeira de arquipélagos, língua franca de base em Português.
Agostinho da Silva - Dispersos
* In Espiral, Ano II - n.ºs 8-9, Inverno de 1965.
domingo, 19 de outubro de 2008
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