C – FUTUROS
12 – Das Buscas – São as bibliotecas, no melhor dos casos, repositórios do que se sabe e por isso quase sempre, ao passar entre as grandes estantes, o que desce sobre nós é a angústia, o silêncio e a inexplicação dos cemitérios. Talvez fosse bom pensar-se em bibliotecas de outro tipo, nas quais se tratasse do que se não sabe ainda; bibliotecas e museus da ignorância humana. Aí se ocupariam os bibliotecários não de cada vez com a maior perfeição e mais apurado bom gosto e comodidade adornar e catalogar e dispor racionalmente suas sepulturas, mas de concitar por seus mágicos meios as almas do que ainda não nasceu, em lugar de sentirem envolvê-los a melancolia de saberem, mesmo quando o não dizem, que consiste seu ofício em cuidar, como nos cemitérios de homens, do que, vivo, foi indispensável e, morto, empacha. Livro, afinal, é um esqueleto de autor; com a possibilidade de os termos todos, pelos sistemas actuais ou próximos futuros de comunicação, ao alcance de leitura, talvez fosse bom reduzirem-se as bibliotecas a um mínimo e cremar todo o resto, para dar lugar às mostras do que se não sabe.
Escola, também, desde as infantil às de pós-graduação, se deve fazer à volta do que se ignora, ou ao nível individual do aluno, que tem de descobrir para aprender, ou ao nível colectivo todo virado para a pesquisa, que pode ser e é na maior parte das vezes simples meditação, porque o resto que se chama pesquisa é, quando muito, consulta ou encontro; todo virado para a pesquisa e bem desprezativo do ensino. E, se tudo isto é verdadeiro para a totalidade dos povos, mais agudo sentido atinge para Portugal, tanto o pequeno como o dos Sete Mares, porque, simbolicamente, foi a sua primeira grande época a dos Descobrimentos, que não estavam em nenhum livro e ninguém sabia de cor e ninguém punha como ponto de prova ou batalha de banca.
Cabe-lhe descobrir de novo, e no muito mais difícil do que litoral fixo em ladeza e altura; cabe-lhe ir ao encontro não da natureza que já é, e que o seu filósofo de Holanda matou em princípio passado, mas da outra natureza que pôs ele para sempre viva num particípio que só é realmente presente para um Deus sempre e, por sua iluminação, para os gramáticos; para nós, enquanto não subirmos ao Divino, irremediavelmente passado ou futuro. É esta fugidia praia a verdadeira costa portuguesa e nela a Ninfa espera o seu Herói para o coroar de eterno.
Agostinho da Silva – Dispersos
* In Espiral, Ano II, n.ºs 8-9, Inverno de 1965.
domingo, 19 de outubro de 2008
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