domingo, 19 de outubro de 2008

QUINZE PRINCÍPIOS PORTUGUESES - 7

B- PRÁTICOS
4 - Do Poupar – Apressadamente destruímos o mundo com a gasolina dos automóveis em que solitários e magníficos nos impomos em espectáculo, com o papel de floresta em que imprimimos nossos anúncios, com o ferro e o carvão de que fabricamos nossos aços de comodidade; invasores sem escrúpulos não teriam pilhado o planeta com mais pressa e mais descanso do que nós o fazemos; nem ficamos no que tiramos de nossa inteligência, de nossos sentimentos ou de nosso tempo muito atrás do que cometemos com a riqueza material que terra e ar, talvez um dia espaço, nos oferecem.
Por outro lado, logo que uma nação mais se liberta dos temores da guerra, com sua pressão sobre a indústria pesada, surge o temor da inflação porque, tentação contínua, os bens de consumo, duradouros ou não, espiralam os salários mais rápidos que a produtividade e o sistema de lucro impõe a todo o produtor as técnicas psicológicas com que as companhias de roupa velha vendem casacas e fardamentos a sobas de África. Gasta-se tudo o que se ganha e, pelo crédito, mais do que se ganha; forçam-se as emissões, ou para pagamentos ou para fornecimento de capitais; e, se é admissível a ideia de que algum mundo antigo acabou pela destruição das florestas, talvez este mundo a que chamamos moderno ou desenvolvido possa vir a acabar, numa série de revoluções de carácter económico, pela incapacidade básica de poupar, o que significa de resistir às tentações e de se reservar para o futuro.
Poupar dinheiro, poupar pessoas, que com quanta facilidade as empresas despedem, os governos demitem, as escolas reprovam, os juízes condenam, a sociedade exclui, poupar as coisas deveria ser requisito essencial para os recrutas do exército, a ser vitorioso, que ao de Alcácer, vencido, substitua; nada poderemos gastar que não seja inteiramente indispensável a nosso viver e ao viver dos a quem servimos e ao resto o lançaremos na grande corrente de retorno que poderá desbravar mais terras ou montar mais fábricas ou lançar mais transporte, embora grande parte dele venha de se não aproveitar o que no local se tem ou de termos deixado crescer dentro de nós o irrequieto demónio que, sem ser para servirmos, nos sobressalta no cartaz de turismo ou no silvo de jactos. Se tal significam a corda ou o cinto dos religiosos, o símbolo nos convém e com ele se cinjam nossos rins; como se diz Freixo de Espada Cinta, grande nome de terra, por isso mesmo estropiado, se diga Homem de Pobreza Cinto, grande nome de gente; que Deus nos ajude a não estropiar nunca.

Agostinho da Silva – Dispersos
*In Espiral, Ano II – n.ºs 8-9, Inverno de 1965.

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