C – FUTUROS
Das Naves – Naus ou catedral, embora na última se pense mais, para coroação do que depois de Rei do mundo tem sido mendigo de todos os que algum dia se supuseram com possibilidades íntimas de assumir por ele a realeza; ou as realezas, porquanto o que nos grandes é plural em nós se singulariza por uma e uma de nossas incapacidades: primeiro realeza, que não diríamos menos, de pastorear os rios e montes que de Monção vão até Lagos ou de S. Martinho até Almeida; depois a realeza que se iniciou em Ceuta e D. Francisco, morrendo, selou no Cabo; finalmente a realeza que se aboca no Índico e corre de ilha a ilha até às lonjuras de Hawai. Seja, pois, catedral de três naves e tão grande venha o cortejo do Rei que volta, na sua face múltipla de brancos, negros, amarelos, que por elas três tenha de desfilar, no caminho de um céu para outro céu.
O povo espera, para ser, que as portas do templo se abram e que, já Rei liberto, pois foi ele o que tombou na batalha, as três naves o chamem e que às três para ir, cumprindo a profecia, nau, que nave é, em cada uma, para cada uma se lhe depare; e o nevoeiro que o envolverá é nevoeiro do mar, em volutas na voluta das ondas, onde ele no ar aos altos mastros, irmão das flâmulas, lento mas vago, diáfano anúncio do azul que finalmente rompe no esplendor da costa, para o, profetizado, eterno , beijo da verdade.
Portugal é há três séculos uma igreja fechada e em ruínas, com ventos maus que uivam; bastará, porém, abrir-lhes as portas para que, se há prisioneiros, vejam afinal a luz do sol, e entre largo o temporal, se tiver de entrar, que ninguém lhe tem medo se de frente, e, porque se acreditou no milagre, o milagre se faça de se reconstruir e ressoar não de lamentos, mas de cantos, e se iluminar não de lembranças, mas de esperanças. Que à nossa pequenina Europa se venham juntar, em tudo iguais, à nossa pequenina África e a nossa pequenina Ásia; ou que, em termos de mar, que é nossa verdadeira linguagem, no Atlântico Norte se junte o do Sul, do Índico e Pacífico eles rolem. Portugal só será porto a que aporte a galera real se for primeiro uma República, não no sentido de que tenha presidente ou rei, mas no sentido de que tudo o que houver público seja, e nem de príncipe, ou por ele plebeu, se pense; se for depois orgulhosa e desafiadoramente Portuguesa, que essa é a língua que tem de ir de si soberba e altiva; se finalmente se declarar Federativa, significando por aí, principalmente, que todas as suas relações são de voluntariedade e de tratado. E, sobre suas três naves marítimas, o Espírito, de novo, pairará.
Agostinho da Silva – Dispersos
* In Espiral, Ano II – n.ºs 8-9, Inverno de 1965.
domingo, 19 de outubro de 2008
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