domingo, 19 de outubro de 2008

QUINZE PRINCÍPIOS PORTUGUESES - 8

B – PRÁTICOS

8 – Do Servir – Servos dos servos, é o maior título de glória e já todos como tal o teriam reconhecido se em tempo algum e em lugar algum pudesse ele ter sido tachado de hipocrisia. Servo dos servos deveria ser o mais querido título dos que se têm aparelhado ou se aparelham agora para a tarefa de dirigir os povos que da pequena casa lusitana ou da maior casa ibérica se derramaram ao mundo. Fácil é encontrar receitas nas boticas que já aviaram remédios, mas para seus próprios fregueses, e por várias vezes têm nossos doentes estado à morte porque tal tem sido a terapêutica. Talvez conviesse que chegássemos agora desarmados, sem teoria alguma, sem conselho nenhum a dar, e perguntássemos simplesmente que quer o povo que dele façam ou que lhe façam.
Creio bem que quererá primeiro durar, depois saber, e o resto, que para nós poremos, o povo tomará se quiser, e sobretudo se primeiro o tomarmos nós, começando por isto de servir que nos despoja bastante de nosso orgulho de que somos melhores de que os humildes e nos entreterá bastante para que durante algum tempo não aprendamos mais teorias novas em manuais estrangeiros. Se houve alguma reforma religiosa realmente válida e profunda no nosso tempo não veio ela de concílios ou de encíclicas ou de conselhos mundiais de profanas igrejas; veio de um homem só e perdido no deserto, dum homem que não encontrou jamais quem o seguisse porque, se sua vida era dura, mais dura era ainda para os espíritos eclesiásticos a obrigação de não converter ninguém, de não catequizar, de não impor doutrinas, e de substituir tudo isto pelo servir, pelo servir na companhia, pelo servir na amizade, pelo servir no que pediam, quando, raramente, se podia o que pediam.
Nos areais se perdeu uma nação, dos areais pode vir sinal decisivo, se o mesmo fizermos e praticamente nas mesmas linhas de Foucauld: se, não num campo determinadamente religioso, mas no cultural, no económico, no social, e deixemos que da política, enquanto não presta, quem não presta se incumba, formos ao povo, vivendo e sabendo, e o servirmos, sem sequer uma tentativa de o organizar, de o canalizar a qualquer rumo, de trazer água a nossos regadios, mas prontos para a resposta a qualquer pergunta, para o sim a qualquer pedido, mesmo na experiência que supomos errada, para o abrir dos caminhos que seus pés, seus magoados, seus sangrentos pés, queiram trilhar. D. Sebastião, quando surgir, não virá de nenhum de nós, a nenhum de nós adoptará como disfarce; quem acreditará que regressa de cativeiro, se aparecer bem tratado, frequentador de bibliotecas, colaborador de revistas ou chefe de repartição? El-Rei vem de desertos, vem de três séculos de fome, vem pelos caminhos do exílio, do abandono e da perseguição; qualquer do povo pode ser Ele, como outrora, nos contos, qualquer velha podia ser Nossa Senhora, qualquer mendigo podia ser Cristo; nos contos e em S. Bento. Só quererá que o sirvam, com humildade, com respeito, com eficiente obediência; de estradas sabe ele melhor que nós; das estradas reais.
Agostinho da Silva- Dispersos
* In Espiral, Ano II . n.ºs 8-9, Inverno de 1965.

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