domingo, 19 de outubro de 2008

QUINZE PRINCÍPIOS PORTUGUESES - 5

B- PRÁTICOS.
2 – Do Saber. A grande diferença entre um homem do Renascimento, com seu génio plural, com sua infinita capacidade de ciência, de arte, de política, de guerra, de violência e de amor, de realidade e de sonho, e nós, especialistas, cada vez sabendo mais de menos, está em que dentro deles, por um século, o medo se abolira, não o medo das prisões, de feridas ou de mortes, que é esse o menos mau, mas o medo de ser, na plena, na inesgotável riqueza que se é. Não é o pintor, o poeta, ou o diplomata ou administrador tão raro e tão estranho que vejamos como um génio que o é; o que é raro é saber-se escapar das classificações, fugir ao conforto da ficha profissional e ousar ter as ideias novas em lugar de, para conforto dos governos, levar a vida inteira lavando a poeira de ouro dos grandes mineradores.
Ora, quando o renascer for do nosso próprio domínio, o que teremos de ter, juntamente com o durar, é essa infinita capacidade de ser tudo; não até o ser tudo, mas o estar disponível para o ser, não descansando nunca sobre o ofício que se tomou, não supondo que se deve continuar até ao fim da vida no mesmo chouto de asno obediente, querido. A profissão de hoje foi a de hoje, poderá ser a de amanhã, mas saiba El-Rei que nessa mesma noite abrimos o livro novo e seremos, com a novidade, homem novo também. O Deus que criou o mundo tal qual ele é, o adoraram sobretudo nossos avós, e em grande parte por medo; nós, porém, vamos entrar na ordem dos que principalmente adoram o Deus de cujo mundo se não sabe ainda, nem sequer se o criará. Deus livre para homens livres, Deus que, recolhido a si o pressente universo, depois que até o limite se lhe expanda, o possa voltar de novo pelas mesmas leis, ou a outras imponha, talvez obedecendo à única lei sua, a de inventor de leis.
Parece que foi o de Assis santo, ou de santo teve sua marca, quando ao ouvir a voz que lhe profetizava ser restaurador da Igreja, a entendeu como o grande corpo místico e hierárquico, mas como a capela arruinada em que estava rezando. Pois que também nos cabe o sermos santos, senão como significado o que toda a gente por ele exprime; dêmos instrumentos à nossa capacidade de criar; aprendamos mais uma íngua, iniciemo-nos em mais uma ciência, tentemos mais uma arte, busquemos mais um ofício, debrucemo-nos sobre mais um país. Talvez, no fim de contas, não sejamos uma nação de músicos especialistas, já as há bastantes, mas de condutores de orquestras; talvez se esteja à espera de nossa vitalidade, de nossa disciplina, de nosso gesto de amparo a guia; talvez só isso falte para que harmonias subam a qualquer Deus que seja: e o saber de cada corda, de cada metal, de cada madeira, base de estrado é. Só por ele a ele.
Agostinho da Silva “Dispersos”
*In Espiral, Ano II – n.ºs 8-9, Inverno de 1965

2 comentários:

Margareth Bravo disse...

Olá amigo!
Tenho interesse de saber mais a respeito desses textos, de quem são os princípios? Datam de que ano? Onde posso encontrar mais sobre o assunto? Muito interessante, escolhi um a princípio, mas depois com calma vou ler os outros porque me fascinou e desconhecia. Excelente escrita, densa , rica e nos leva a pensar e questionar o pré-estabelecido.
um abraço

José Carlos Agostinho disse...

Olá,
No final dos textos tem sempre a informação da proveniência dos textos. Maioritariamente são do Agostinho da Silva grande filosofo português. Irei publicando novos artigos sempre que possível.
No final de cada artigo tem sempre o Livro de onde foi baseado e data do mesmo.
Abraço,