domingo, 19 de outubro de 2008

QUINZE PRINCÍPIOS PORTUGUESES - 13

C - FUTUROS
13 – Dos Poderes – Da escarlata real que atapeta, sob os passos do Povo, este é o trecho de mais sangue e vida; aqui será sua coroação e logo se repartirá nas bandeiras rubras do Espírito Santo que levarão a todo o lugar, por mais oculto em alcantil ou mais rasteiro na planície, a nova de arraial, para que a vida rejuvenesça e em vermelha chama se afirme sobre terra e céu. Nenhuma liberdade existe se não é pessoal e local e nenhuma história é digna de ser vivida se não é o que vai sendo o mais forte, mais vitorioso, mais inabalável afirmar do gesto de princípio que para trás ficou. A redenção de Portugal, se proclamada nas capitais, nelas morrerá um dia; é ao de que se formou que o País inteiro tem de voltar, para, voltando, o levar ao mundo.
Quando Pombal ordenava que se fizessem das aldeias de índios Municípios, com vereadores indígenas, estava reconhecendo, qualquer que fosse o seu comportamento na metrópole, que o Brasil não era uma simples colónia, mas uma pátria autónoma, bem mais portuguesa do que o reino que afinal o Ministro reduzia ao que queria; reconhecia, por outro lado, que era o município a verdadeira instituição de governo do País, e lhe dava suporte económico, dentro das melhores tradições, quando mandava que fosse a terra da aldeia uma terra comum; finalmente, negando-a aos de dentro, reconhecia, no Descoberto, a irmandade de que sempre deveria ter sido sinónimo o nome de Portugal e tratava o Povo não como escravo, mas como Rei.
Rei de direito divino ou Presidente de direito humano, tudo sempre esteve errado em Portugal. A fonte do Poder não é, para portugueses, nem delegação de transcendências, nem figuração de imanências, nem contrato ou consenso; a fonte do poder é a unidade essencial do homem, da paisagem e do sonho que numa e noutro anda; o poder emana das aldeias no curtido das faces, na aspereza das rochas, no fumo das lareiras, no mugido dos gados, no escampado horizonte, na imobilidade e no gesto, no silêncio e na palavra; o primeiro elemento é o do homem e seu chão e seu cão; depois se forma aldeia, ainda mais pequena e desvalida para ser política; mas com o município a primeira república se forma e sobre ela tudo o resto se tem de modelar; a Federação começa aqui, como o unir-se à vizinha república; a Cooperativa começa aqui, com a junção das economias aldeãs; a Catedral começa aqui, com esta pedra de muro ou este ladrilho de piso; conhece a Nau seus primeiros redemoinhos nas águas bravas do cabril; e é o primeiro Reino o deste Rei, com se chão e seu cão; repeti-lo não sobra.
Agostinho da Silva – Dispersos
* In Espiral, Ano II – n.ºs 8-9, Inverno de 1965.

Sem comentários: