A – PRIMORDAIS
3 – Do Geral – A ideia do Quinto Império, segundo os sábios da escritura, é patriótica, o que aprovam; messiânica, o que já acham censurável, pois porque não há-de este nosso povo português, o de Aljubarrota ou de Canudos, ser razoável, político e gregário; louca, o que os põe em dificuldade quanto a Vieira, que podia, no entanto, ter acessos, ou quanto a Pessoa, que podia, no entanto, ser um mistificador. Deixemos de lado o que se refere à loucura, porquanto tudo o que hoje acham sensato foi outrora de loucos, desde as rodas de seus confortáveis automóveis até a luz de suas doutas escrivaninhas; faça-lhe companhia o messiânico, de que partilham Cristo e Lenine; mas, quanto ao patriótico, os tomaremos de parte, para que os não ouçam os discípulos, e lhes perguntaremos se crêem assim tão patriótica a ideia de um império em que todas as nações se fundiriam e em que Portugal só lançaria o rastilho de chama em que, com ele, se abrasaria o mundo.
Só que esta nossa Pátria se realiza quando se abrasa na comunhão do universo, quando se dissolve no que os outros são, para que o não sejam também. Não é esta Pátria a que pensam nas suas críticas ao pregador e ao poeta, que à Pátria a querem descritível nas geografias e adorável nas histórias, mas a não transpõem para além de tempo e espaço, a não levitam igualmente, a não colocam como um norte, ou como um sul, que o mesmo vale, e dele foi tanto mapa português, a salvo dos combates que imanência e transcendência se travam quando se quer compreender e não apenas ser, que se compreenda ou não. Portugal só será quando for o mundo inteiro e o mundo inteiro o for; no passado só foi ao mundo inteiro e o mundo inteiro a ele foi; mas, para lá de encontro de palavras, ser e ir são diferentes.
Não são os nossos problemas que importam, mas os problemas do universo, como no homem particular só têm importância os conflitos na medida em que os impedem de ser os outros; e se os encaramos, só o devemos fazer para que não haja nenhum impedimento ao explodir da nossa energia; se nossa ou não, o digam os sábios da escritura. Como aquela gente de quase Polo, e de uma terra que tem o nome de Lavrador, agitemo-nos o menos que for possível, pesemos o menos que for possível sobre os destinos do mundo, não apeteçamos, não queiramos, não lutemos, não nos afirmemos, não sejamos com data e nome, para que mais facilmente os nossos sonhos a nós venham, para que a noite seja mais poderosa do que o dia e brilhem afinal aquelas estrelas do Dante que pressa e orgulho fizeram náuticas e de que são apenas reflexo visível, e real luz morta, as que do fim do mar se erguem pela proa de quem vai, não a servir, mas a mandar; não a, se, fazer dos outros, seus.
Agostinho da Silva – Dispersos
*In Espiral, ano II – n.ºs 8-9, Inverno de 1965.
domingo, 19 de outubro de 2008
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